Com mais de 20 opções diárias e experiências tão diversas, encontrar o local ideal para ouvir Fado no Porto pode ser desafiante! Por isso, criei este guia para te ajudar. Vamos ao Fado?
Os Melhores Lugares Para Ouvir Fado ao Vivo no Porto
Antes de escolheres um local, sugiro que penses no tipo de espetáculo que preferes:
- Concerto de Fado: ideal para quem procura uma experiência de cerca de 1 hora, focada exclusivamente na música e sem refeição;
- Jantar com Fado: para quem deseja combinar a gastronomia portuguesa com pequenos apontamentos de Fado ao longo da noite;
- Experiência Combinada: uma boa opção para quem tem pouco tempo e pretende juntar várias atividades num só local.
E estes são os lugares que considero imperdíveis:
1. Fado Maior do Porto
Localizado no bairro histórico de Miragaia, longe da azáfama turística, o Fado Maior é uma taberna típica do Porto antigo onde vais poder usufruir de um concerto de Fado num ambiente acolhedor e de proximidade com os artistas. É o único espetáculo onde dois grupos de artistas distintos apresentam os dois Fados de Portugal: o Fado tradicional e o Fado de Coimbra. Se procuras uma experiência única e autêntica, este é um local a não perder.
2. Fado na Baixa
Num pequeno e acolhedor auditório, vais assistir a um concerto que inclui interpretações de Fado tradicional e também de Fado de Coimbra, complementado por um documentário informativo (com áudio-guias traduzidos para espanhol, francês e inglês). Se procuras uma experiência onde também podes aprender sobre esta música, o Fado na Baixa é a melhor opção.
3. Taberna Real do Fado
Localizada num edifício histórico no centro do Porto, a Taberna Real do Fado proporciona jantares com Fado num ambiente acolhedor e relaxado, com proximidade aos artistas. O serviço cuidado e a atenção aos detalhes garantem uma experiência de alta qualidade. Se procuras uma noite de Fado autêntico no Porto com boa comida, esta é a melhor opção.
4. Caves Fonseca
Esta iniciativa das Caves Fonseca consiste numa visita guiada com prova de vinhos, seguida de um concerto de Fado. É uma boa alternativa para quem tem pouco tempo para conhecer o Porto ou para quem tem um orçamento limitado. Os bilhetes custam 25€ e as crianças até aos 12 anos pagam 12,5€.
Todos os lugares com Fado no Porto
Uma das características mais interessantes do Fado no Porto é a variedade de espetáculos que existe. Por isso, creio que faz mais sentido primeiro escolher um tipo de experiência e só depois escolher um lugar.
Existem quatro tipos de espetáculo de Fado na nossa cidade:
Concertos de fado
Se queres ter uma experiência focada na música, sem venda de comida e bebidas à mistura, e conhecer alguns dos melhores artistas da cidade, os concertos de fado vão ser a tua melhor opção.
Têm uma duração média de 1 hora e geralmente ocorrem ao final da tarde e à noite. O preço do bilhete varia entre os 16€ e os 22€ e em todos os lugares oferecem-te um cálice de vinho do porto.
Cada concerto tem características diferentes. Por isso, vale a pena perceberes o que cada um deles tem para oferecer.
Existem 9 sítios que oferecem este tipo de experiência:
- Fado Maior do Porto;
- Destino Fado;
- Ideal Clube de Fado;
- Fado na Baixa;
- Casa da Guitarra;
- A Casa do Fado S. João Novo;
- A Casa do Fado Sé;
- Presidencial Fado;
- Clube Real do Fado-
Tendo em conta a proposta artística e o local, o melhor concerto é o do Fado Maior do Porto.
Fado Maior do Porto
O Fado Maior do Porto promove uma experiência musical intimista num pequeno espaço típico do Porto antigo. Aqui vais assistir a um encontro inédito em Portugal entre excelentes representantes da tradição mais popular do fado e grupos de estudantes que preservam o Fado de Coimbra.
O Destino Fado, o Ideal Clube de Fado, o Fado na Baixa e a Casa da Guitarra também são boas opções
Destino Fado
Os concertos do Destino Fado têm como anfitriã Cláudia Madur, uma das mais famosas fadistas do norte de Portugal. Acontecem num salão nobre do séc. XIX na Menina Colina Gesthouse.
Ideal Clube de Fado
O Ideal Clube de Fado apresenta espetáculos exclusivamente dedicados ao Fado Tradicional (estilo antigo). O espaço acolhedor e com decoração vintage promove uma boa proximidade entre o público e os artistas.
Fado na Baixa
O Fado na Baixa oferece um concerto num pequeno auditório onde a música coexiste com um documentário (traduzido para espanhol, francês ou inglês com áudio-guias). Se procuras uma experiência mais didática este espetáculo é para si. Caso contrário, não vais gostar de ver vários vídeos durante a performance.
Casa da Guitarra
A Casa da Guitarra é uma loja de cordofones onde a partir das 18:00 esta transforma-se num mini auditório para quem quer ouvir fado. O concerto tem especial interesse se quiseres visitar a loja.
Caso não consigas lugar em nenhum dos concertos acima, os dois lugares da A Casa do Fado, o Presidencial Fado ou o Clube Real do Fado são alternativas razoáveis.
A Casa do Fado – São João Novo
Está localizada nas antigas dispensas da igreja de São João Novo, e situa-se mesmo por baixo da sacristia da Igreja! Os menores de 12 anos são benvindos e não pagam. A meio do concerto um dos músicos irá dar uma explicação sobre fado.
A Casa do Fado – Sé
Este lugar está situado num dos bairros mais típicos do Porto – a Sé. Os menores de 12 anos são benvindos e não pagam. A meio do concerto poderá ouvir uma explicação sobre fado.
Presidencial Fado
O Presidencial Fado está dentro da Estação de S. Bento e oferece um concerto intimista.
Clube Real do Fado
O Clube Real do Fado é um projeto que nasce a partir da Taberna Real do Fado para quem quer ouvir um espetáculo sem jantar
Fado e Jantar
No Porto há vários restaurantes que oferecem regularmente fado ao vivo durante o jantar. Contudo, importa distinguir entre restaurantes especializados em fado, conhecidos como Casas de Fado, e restaurantes convencionais que com alguma regularidade oferecem jantares com fado.
Casas de Fado
Casa de fado não é, ao contrário do que se pensa, o nome que se dá a qualquer lugar com fado ao vivo. É, sim, um restaurante típico especializado em jantares com fado.
Distingue-se de um restaurante normal porque todo o espaço e decoração são dedicados a esta temática e também porque têm sempre fadistas e guitarristas durante o seu horário de funcionamento.
Este tipo de experiência é especialmente indicado para quem quer jantar e ouvir fado ao longo da noite e passar um momento mais prolongado com a família e amigos num convívio com fado e comida.
A música é repartida por pequenas atuações e costuma ser intercalada com os vários momentos do jantar (entrada, prato principal, sobremesa, cafés e digestivos). Cada parte dura aproximadamente 20 minutos.
É costume nas casas de fado apresentarem-se dois fadistas em cada noite: uma voz feminina e uma voz masculina.
Existem 6 sítios que oferecem este tipo de experiência:
- Casa da Mariquinhas;
- Aniki;
- Fado Português;
- Mal Cozinhado;
- O Fado;
- Taberna Real do Fado;
Casa da Mariquinhas
Fundada em 1968, é a casa de fado mais antiga do Porto. É um espaço pequeno, com uma ótima acústica, propício à cumplicidade entre o público e os bons artistas residentes, onde as paredes em granito, a iluminação, a decoração e a sua história fazem deste lugar um dos melhores do país para usufruir de uma experiência intimista de fado com jantar.
Aniki
O Aniki, localizado junto à Ribeira, é um espaço onde o moderno e o tradicional andam de mãos dadas, tanto ao nível da decoração como da ementa. Para além da boa música vai poder ver vários objetos de culto relacionados com a história do fado.
Fado Português
O Fado Português, apesar de ser na cidade vizinha, em Vila Nova de Gaia, tem um acesso rápido de carro a partir do centro do Porto. Neste espaço simples e despretensioso não vais ver alguns luxos de outras casas de fado, mas certamente vais usufruir de um ambiente intimista e familiar, afastado do circuito turístico do Centro Histórico do Porto.
Mal Cozinhado
O Mal Cozinhado é um dos lugares mais originais para ouvir Fado no Porto. Trata-se de um edifício secular junto ao rio Douro, com as paredes e chão em granito e um teto com traves de madeira que constam terem mais de 6 séculos de existência.
O Fado
O Fado é uma das Casas de Fado mais famosas e antigas do Porto. É um negócio familiar com Manuela Almeida, a matriarca da família, na cozinha e com os filhos na gestão e atendimento aos clientes. A comida é excelente.
Taberna Real do Fado
A Taberna Real do Fado pode não ter tantos anos de existência como algumas Casas de Fado no Porto, mas conta com uma equipa experiente e competente, sendo atualmente um bom lugar para ouvir Fado com jantar na cidade.
Fado combinado com outras experiências
No Porto existem experiências culturais que incluem um concerto de Fado. Se tens pouco tempo na cidade, estas opções podem interessar-te.
Existem 4 sítios que oferecem este tipo de experiência:
- Caves Fonseca;
- Caves Rozès;
- Caves Calém;
- Herança Magna.
Caves Fonseca
Foi a novidade nos lugares de fado que mais me impressionou em 2023. Uma iniciativa de qualidade onde podes usufruir de uma visita com prova de vinhos, seguida de um jantar com fado.
Caves Calém
Não é a minha recomendação principal. pois a experiência de fado é de baixa qualidade. Isto acontece porque a maior parte do repertório que se apresenta é “fado para turista”e o espaço grande não é propício para haver partilha entre os artistas e o público. No entanto é uma experiência muito popular.
Caves Rozès
As Caves Rozès oferecem visitas privadas com várias opções de degustação. Trata-se de uma experiência premium e personalizada com um bom espetáculo de fado intimista no final.
Herança Magna
A Herança Magna oferece um espetáculo com as duas manifestações musicais mais importantes da música tradicional portuguesa – o Fado e o Folclore. Antes do espetáculo há um um jantar com comida tradicional, podendo usufruir assim de uma experiência musical e gastronómica.
Fado vadio
O Fado Vadio, mais do que um concerto, é um convívio entre pessoas que partilham uma paixão pelo fado. Funciona como um karaoke mas com guitarristas em vez de música gravada.
A maior parte das pessoas que cantam nestes eventos não são profissionais. Por isso, se queres ouvir bons artistas deves ir a um concerto de fado ou jantar a numa casa de fado.
Esta experiência é especialmente indicada para quem quer cantar, mesmo que seja amador. Mas também podes participar como ouvinte.
Lugares onde poderás ouvir Fado Vadio:
Conhecimento para poderes apreciar melhor um espetáculo de fado
Mais do que falar sobre o que é o fado e a sua história, quero dar-te informação para poderes apreciar melhor um concerto de fado em qualquer lugar de Portugal.
- Porquê ouvir fado ao vivo;
- De que é feita uma boa experiência de fado:
- Entender um concerto de fado:
- Etiqueta num espetáculo de fado;
- Mal entendidos sobre o fado no Porto;
- Conclusão.
Porquê ouvir fado ao vivo
“E as pessoas dizem assim: Isto é o verdadeiro fado! (…) Mas é o verdadeiro fado, porque aquilo, ali… estou próximo do público. E o público é cúmplice.”
Fernando Maurício, Fado Falado – Um Século de Fado
Conheço muitas pessoas que dizem que não apreciam fado. Mas não conheço ninguém que tenha ouvido fado ao vivo num bom ambiente e com bons artistas que diga o mesmo!
Porque é que isso acontece?
Porque a audição é apenas uma parte da experiência de fado. O verdadeiro fado implica partilha e cumplicidade entre os artistas e o público.
Quando assim o é, diz-se que “houve fado” ou que “o fado aconteceu”.
Algumas casas de fado incluem nos seus panfletos e cartazes mensagens como “casa x – onde o fado acontece”. Com isto pretendem transmitir que, para além de podermos ouvir e ver fadistas e guitarristas, vamos experimentar a sintonia entre estes e o público e, tal como dizia Fernando Maurício, vamos ser cúmplices e, assim, viver o verdadeiro fado.
Para além disso, quando estás perante bons fadistas e guitarristas és envolvido por uma sonoridade que vai direta ao teu coração e desperta emoções fortes que te transportam para uma viagem a um Portugal profundo e místico.
Por isso, ouvir fado ao vivo é muito melhor do que ouvi-lo numa gravação. Mas isto, por si só, não é suficiente para se ter uma boa e autêntica experiência de fado.
De que é feita uma boa experiência de fado
Pela minha experiência enquanto músico, ouvinte e organizador de eventos de fado, considero que as características que mais contribuem para um bom espetáculo são as seguintes:
Fado genuíno
Neste vídeo de 1976, João Braga perguntou a Alfredo Marceneiro como via o futuro do fado em Portugal, ao que ele respondeu: “O futuro do fado é que eu ouço cantar, é canções e cançonetas…” E de seguida ainda se ouve alguém a dizer “umas merdas!”
E posso dizer que Alfredo Marceneiro fez uma boa previsão porque hoje em dia na maior parte dos espetáculos, não só no Porto mas em todo o país, vais ouvir uma mistura de fados, “canções e cançonetas”, marchas populares e folclore. Não são “umas merdas”, mas também não são fado!
Quantas e quantas vezes eu estou aqui e, por exemplo, tenho que cantar porque está aí alguém que quer ouvir. Mas, de repente, oiço cantar a Casa Portuguesa, porque tem que ser, porque está aí muito estrangeiro que canta a Casa Portuguesa, cantar assim umas coisas muito leves e dizerem: Eh, fadista!, eu já não canto nesse dia. Já não canto, porque uma pessoa que está a dizer quando se canta a Casa Portuguesa ou quando se canta o Cheira a Lisboa ou quando se canta os Caracolitos e essas coisas, são coisas só para animar e quando ouço dizer Eh, fadista!, eu não canto porque vejo que a pessoa não percebe nada de fado.
Essas cantigas não são fado?
Não são fado. E se dizem: Eh, fadista!, não percebem. Para que é que eu vou depois cantar? Depois correm comigo, se aquilo é que é bonito, se aquilo é que é bom (não deixo de dizer que aquilo é bom e que é bonito) mas não é fado.
Argentina Santos, Fado Falado – Um Século de Fado
Eu sei que isto pode parecer estranho, mas existem várias razões para este fenómeno e prendem-se sobretudo com motivações comerciais e turísticas.
Mas como isto já acontece há algumas décadas e até a própria Amália Rodrigues, que foi a figura mais popular do fado em Portugal, promovia este tipo de abordagem nos seus concertos, aconteceu um efeito de normalização com alguma desinformação pelo meio.
Ou seja, estamos tão habituados a que o fadista cante esta mistura que nem questionamos o que é fado e o que não é, pois parte-se do princípio que tudo o que o fadista canta é fado.
Para além disso, os meios de difusão musical também são alheios ao facto dos fadistas cantarem outros estilos. Por isso, rotulam como fado tudo o que estes cantam.
Isto até deu azo a uma situação embaraçosa quando em 2020 Ricardo Ribeiro, um dos maiores fadistas da atualidade, viu o seu álbum nomeado pelos Prémios Play para melhor álbum de fado e pediu para retirá-lo da lista por considerar que não era de fado. Vê aqui a notícia.
Se estiveres interessado em saber mais sobre esta questão, avança para a parte em que explico o repertório dos fadistas.
Bons artistas
Para que o fado aconteça é fundamental que exista uma forte conexão entre o público e os artistas, e para isso é necessário que os artistas tenham um conjunto de qualidades, sem as quais não se consegue transmitir fado.
Por muito que se disser
Manuel Almeida
O Fado é canção bairrista
Não é fadista quem quer
Mas sim quem nasceu fadista
Para ser um bom artista de fado, não basta ter boa voz e tocar bem. Os cantores e os guitarristas têm de dominar a linguagem e a estética específica deste estilo, que são muito distintas do pop, do jazz ou do lírico.
Mas, tal como em qualquer estilo musical, o lado técnico também é importante. Quanto melhor for, mais recursos o artista tem para se expressar e comunicar com o público, pois de pouco adianta entregarem-se a 100% à música se cantam ou tocam mal.
Lembro-me de uma vez estar a tocar no Janelas do Fado, em Matosinhos, quando um cliente pediu para cantar. Ele até parecia estar genuinamente a entregar-se profundamente à música e a querer comunicar, mas o resultado foi uma sala cheia pessoas a conter o riso… E assim não dá para o fado acontecer!
Mas também é importante perceber que um bom fadista não precisa de corresponder ao estereótipo daquilo que a maior parte das pessoas considera um bom cantor.
Alguns dos nomes mais respeitados entre a comunidade do fado, como Beatriz da Conceição, Alfredo Marceneiro e Rodrigo, entre outros, têm um estilo e uma forma de cantar que são extremamente respeitados no seu meio, mas que o público em geral não costuma dar o devido valor.
Por outro lado, existem fadistas como a Mariza ou a Cuca Roseta que têm um sucesso tremendo com as massas, mas que não são especialmente apreciadas entre os grandes apreciadores de fado.
Ouve, por exemplo, esta interpretação da Beatriz da Conceição (natural do Porto) do Fado Alfacinha:
E ouve esta interpretação do mesmo fado, mas cantado pela Mariza:
Acredito que a generalidade das pessoas prefira a forma de cantar da Mariza, mas a maior parte dos apreciadores de fado têm outras coisas em conta – originalidade, complexidade, profundidade, ritmo, intensidade da performance e domínio da linguagem – quando ouvem um fadista. Por isso preferem a Beatriz da Conceição.
Para concluir esta reflexão sobre o que é ser bom fadista, vou citar Joel Pina, uma das mais importantes personalidades da história do fado:
Eu sei que tenho fado dentro de mim, eu sei isso. Porque há muita gente por aí que não tem fado. Pode ter até muita intuição musical, mas não tem fado. O fado… há aqui um mistério que… Sobre o fado há diversas vozes. E umas vozes são mais profundas, vêm lá de dentro, que comunicam com a pessoa que transmite realmente essa mensagem que a pessoa pretende passar, e passa, e a outra pessoa sente-se arrepiada. Eu penso que isso é que é fado.
Joel Pina (transcrito de “Joel Pina: O Professor“)
Silêncio
O silêncio é muito importante não só para quem está a atuar, mas também para quem está a ouvir.
Para os artistas, o silêncio do público é uma demonstração de respeito e de interesse, e isto leva-os a darem o seu melhor. Já o contrário incomoda e leva a que a performance seja fingida.
“… se estiverem a fazer barulho, o nosso trabalho é despejar. Sim, é cantar, mas não é a sério…”
Fernando Maurício, Fado Falado – Um Século de Fado
Para o público o silêncio é fundamental porque, para além de usufruir de um melhor trabalho artístico, vai sentir a emoção dos artistas. Só assim é que é que é possível vivenciar o verdadeiro fado.
Por isso existe a famosa expressão “Silêncio que se vai cantar o fado”.
Bom público
Numa entrevista perguntaram a Vicente da Câmara se havia um ambiente próprio para cantar fado, ao que ele respondeu:
Há, são as pessoas que estão. Há umas pessoas que acham que tem de ter luzes baixas e tem de ter coisas penduradas, balõezinhos, cartazes nas paredes e não-sei-quê. Isso, a mim, nunca me afetou (…) Preocupa-me, sim, as pessoas que estão. Essas é que fazem o bom ou mau ambiente.
Vicente da Câmara, Fado Falado – Um Século de Fado
Sobre este assunto, também Raul Nery disse o seguinte:
O público que ouve o fado deve estar em sintonia total com os fadistas que o cantam ou o tocam. Só quando se consegue essa sintonia se pode dizer que estão criadas as condições necessárias para haver um verdadeiro ambiente de fado.
Raul Nery, Fado Falado – Um Século de Fado
Entre músicos quando se diz que “o público era bom”, significa que aconteceu a sintonia que Raul Nery fala. Quando isto acontece os artistas ficam verdadeiramente ligados à audiência e o resultado é uma excelente performance que, por sua vez, capta ainda mais a atenção e o sentimento do público.
Argentina Santos sobre a importância de um bom público disse o seguinte:
… aquilo (a vontade de cantar) tem de ser uma garra que me dá e tenho de olhar para as pessoas e tenho de ver: Gostam de fado. Se não gostam, não merece a pena.
Argentina Santos, Fado Falado – Um Século de Fado
Por isso, quando fores a um concerto de fado, dispõe-te a relaxar e dedica-te inteiramente à experiência. Olha para os cantores e para os guitarristas e não para o telemóvel. Ouve, sente e concentra-te na música.
Desta forma vais criar o ambiente certo para que os artistas deem o seu melhor e te abram a porta para o fado e para o coração deles. No final de cada música não te inibas de dar feedback através de palmas calorosas para que os artistas percebam que estás a gostar!
Se quiseres saber como te portar num espetáculo de fado, avança para a secção onde falo sobre a etiqueta.
Espaço intimista
Como o essencial desta música está na partilha entre os artistas e o público, os espaços intimistas e acolhedores, ao favorecem a proximidade e a cumplicidade, são mais propícios para se sentir o verdadeiro fado.
A qualidade da experiência auditiva também é melhor se estivermos perto da voz e dos instrumentos.
Sobre esta questão, Raul Nery, disse o seguinte:
O fado, para ser bem cantado, precisa de um ambiente próprio. Aliás, algumas pessoas que dizem que não gostam de fado nunca o ouviram num ambiente adequado, porque não é numa sala de espetáculos que o fado pode ser melhor apreciado.
Raul Nery, Fado Falado – Um Século de Fado
Boa acústica (e sem microfones)
Podes até estar perante ótimos artistas, em silêncio absoluto e num espaço intimista, mas se não sentir a vibração da voz e das guitarras no teu corpo ao mesmo tempo que ouves, não vai ser a mesma coisa.
O som deve ter intensidade, foco e detalhe. E isto sem microfones, porque assim vais sentir-te mais ligado aos fadistas e aos guitarristas e também porque as vibrações naturais contêm mais riqueza e autenticidade.
Entender um concerto de fado
Para que possas apreciar melhor um espetáculo de fado, é importante entenderes alguns dos elementos que o constituem:
Repertório
Em primeiro lugar, importa perceber que o fado não é, em si, uma música triste. Na sua forma mais autêntica – o Fado Tradicional – existem muitos fados para expressar emoções alegres. O fadista tem liberdade total para escolher os poemas que quer cantar e as temáticas (mas a maior parte dos fadistas gostam de cantar a tristeza do amor).
Mas hoje em dia, na maior parte dos concertos de fado, exceto no Ideal Clube de Fado que se dedica exclusivamente ao Fado Tradicional, apresentam-se 5 estilos distintos:
- Fado Tradicional
- Fado-canção
- Marchas
- Folclore
- Outras canções
O Fado Tradicional é o fado no seu estado mais puro, a tradição mais autêntica do fado clássico. É uma música sem refrão e a mesma melodia pode ser cantada com diferentes poemas. É o estilo onde há mais liberdade para o improviso e interpretação.
Exemplos: Fado Corrido, Fado Menor, Fado Alberto, Fado Bailado.
O fado-canção é um estilo com refrão e a melodia é criada para um poema em específico. Como o próprio nome diz, há uma mistura estética entre fado e outras canções. As melodias mais conhecidas do fado são neste estilo.
Exemplos: Ai Mouraria, Nem às Paredes Confesso, Vielas d’Alfama, Lágrima.
A Marcha não é fado. É um estilo popular associado a festas de verão de santos populares. A música está dividida em duas partes: o desenvolvimento da música em modo menor e um refrão em modo maior.
Exemplos: Lisboa Antiga, Marcha d’Alfama, De Rosa ao Peito (popularizada pela Mariza sob o nome Rosa ao Peito).
O folclore também não é fado e engloba vários estilos tradicionais de Portugal. Podem ser adaptações ou podem ser criações com inspiração em folclore. São maioritariamente músicas festivas numa tonalidade maior.
Exemplos: Fadinho Serrano, Bailarico Saloio, Fadinho da Ti Maria Benta, Sr. Vinho.
Quando num concerto fores encorajado a bater palmas ao ritmo da música, provavelmente estarás a ouvir marcha ou folclore.
Também existem outras canções que ganharam bastante popularidade, mas que, na minha opinião, não se podem enquadrar na categoria fado-canção porque ou estão demasiado afastadas da linguagem do fado ou a sua origem deu-se em contextos musicais alheios ao fado.
Exemplos: Uma Casa Portuguesa*, Abril em Portugal (“Coimbra”), Chuva, Dia de Folga, Meu Amor de Longe, Barco Negro.
*Não é engano. Esta música, apesar de ser cantada em quase todos os espetáculos (efeito de normalização acrítica) é uma sátira a um Portugal pobre e oprimido, foi escrita em África, num hotel cosmopolita de Moçambique, e nasceu de um episódio picaresco. Clica aqui para ler mais sobre este assunto.
Instrumentos e dinâmica musical
Normalmente vais ver três pessoas em palco: o fadista (voz), o guitarrista (guitarra portuguesa) e o violista (viola). Por vezes também se inclui um baixista.
Neste conjunto há um instrumento com uma sonoridade distinta que se chama guitarra portuguesa. Tem 12 cordas duplas (6 ordens) de aço e descende da cítara europeia e da guitarra inglesa.
O fadista tem como função cantar os poemas de forma a que a melodia e as dinâmicas musicais que imprime sejam o reflexo da mensagem que está a transmitir.
Ao guitarrista cabe o papel de tocar as melodias iniciais, de apoiar a viola, de criar um diálogo musical com a voz e também de criar texturas e cores musicais.
O violista marca o ritmo, faz os baixos e também define o caminho harmónico, num balanço específico do fado. É como se fosse o alicerce de toda a música.
Quando existe um baixista este partilha a responsabilidade dos baixos com o violista.
O fado vive sobretudo da improvisação e interpretação. Não há uma pauta oficial que se tenha de seguir. Uma boa interpretação respeita a identidade de um fado, mas ao mesmo tempo inclui elementos interpretativos originais.
A estrutura musical de um fado costuma ter duas partes (A e B). Normalmente começa com uma pequena introdução instrumental relacionada com a parte B. Como é o guitarrista que toca a melodia, fica ao critério deste definir o que quer fazer. A introdução tanto pode ser uma mera forma de ajudar o fadista a entrar na música, como pode ser uma momento musical inspirador para todos.
Como não é costume haver ensaios de grupo, a dinâmica criada entre os músicos é realizada no momento. E no fado há um jogo musical constante entre todos.
O mais percetível é o diálogo melódico entre a voz e a guitarra portuguesa. Mas a viola também entra nesta interação de uma forma mais discreta com os baixos e com texturas harmónicas.
Depois acontecem uma série de dinâmicas musicais ao nível da intensidade (crescendo, diminuendo, forte, piano, etc) que podem ser provocadas por todos, apesar de normalmente ser o fadista quem mais influencia.
Existe também a suspensão, que consiste num momento, usualmente precedido de um rallentado, em que o acompanhamento pára e o fadista cria um momento expressivo em que canta à vontade.
Por vezes, no meio do fado, existe um solo de guitarra portuguesa. O guitarrista tem liberdade para recriar a melodia da voz ou para improvisar uma melodia diferente.
Também há o costume de se tocarem guitarradas nos espetáculos de fado. São composições para guitarra portuguesa, sem voz, e não precisam de estar enquadradas no estilo de fado.
Etiqueta num espetáculo de fado
Uma vez que uma das características de uma experiência de fado de qualidade é um bom público, vou ajudar-te a perceber como é que a tua postura num concerto de fado pode contribuir para um bom espetáculo.
Silêncio
O fado, apesar de ser uma música popular, deve ser ouvido em silêncio. Não é uma música para fazer ambiente ou para animar um convívio entre amigos.
É preciso ter em conta que os artistas estão a fazer música em tempo real (não estão a reproduzir algo que ensaiaram inúmeras vezes) e estão inteiramente focados em comunicar com o público. Se as pessoas estiverem a conversar, para além de ser um forte fator de desconcentração, os artistas pensam que o público não quer ouvir, o que vai diminuir a qualidade da performance.
Por outro lado, sendo uma experiência auditiva, esta perde qualidade se existirem outros sons para além da música. E se estiveres a conversar ao mesmo tempo que ouves não vai estar num estado de partilha e cumplicidade com os artistas, que é o principal do fado, e também vais incomodar quem quer ouvir em silêncio.
Uso de telemóvel
Para que haja silêncio é necessário desligar o telemóvel ou retirar o som e a vibração do mesmo. Usar o telemóvel para tirar fotografias ou para filmar é geralmente bem aceite, desde que as luzes e o flash estejam inativos. Mas cuidado para não incomodares as pessoas que estão atrás de ti com o ecrã do telemóvel.
Bater palmas
As palmas a seguir a cada música são permitidas e apreciadas pelos artistas. É uma das melhores formas de demonstrar que estás a apreciar a performance e dar esse feedback é importante para os artistas.
No entanto, é desaconselhável acompanhar os fados com palmas porque estas atrapalham quem está a fazer o ritmo e faz com que os músicos tenham dificuldade em ouvirem-se uns aos outros. Isto aplica-se ao fado, mas nas marchas ou folclore é normal que peçam a tua colaboração.
Cantar com o fadista
A não ser que te peçam, o que pode acontecer com marchas, folclore e alguns temas de fado-canção mais populares, não deves cantar com o fadista, pois interfere com a sua interpretação.
Mal-entendidos sobre o fado no Porto
O fado no Porto tem vindo a sofrer algumas considerações injustas. Por isso importa desmistificar algumas ideias erradas que se têm vindo a construir sobre a realidade do fado nesta cidade.
No Porto quase não há fado ao vivo
No Porto há dezenas de eventos com fado ao vivo todas as semanas. Para teres uma ideia mais exata, vê aqui todos os tipos de experiência e respetivos lugares.
O fado no Porto é turístico e em Lisboa é autêntico
Se achares que ser-se turístico é ter muitos turistas nos eventos ou depender dos mesmos, Lisboa e Porto estão na mesma posição.
Repara neste antigo postal d’A Parreirinha de Alfama, uma das casas de fado mais importantes de Lisboa, onde o idioma português, o inglês e o francês coexistem.
“A Parreirinha é uma casa mais pequena, mais típica, mais portuguesa, quer dizer, com mais portugueses. Não tem tanto turismo como tem o Pacheco. Tem uma casa grande. Mal dele se estivesse só a trabalhar com os portugueses. Até mesmo a Dona Argentina tem muitos estrangeiros. Tem grupos todos os dias. Se não fosse assim, ninguém sobrevivia. Infelizmente o português não vai ao fado. Pode ir ao fado ao fim-de-semana e as casas não podem… Nós trabalhamos todos os dias.”
Alcindo Carvalho, Fado Falado – Um Século de Fado
Em 1989, numa altura em que as casas de fado no Porto estavam em crise com muitas delas a fechar (havia poucos turistas no fado do Porto), Alcindo Carvalho fala sobre a grande afluência de estrangeiros nas casas de fado em Lisboa e salienta a importância que estes têm para a sobrevivência das mesmas.
Atualmente, tanto no Porto como em Lisboa, os negócios locais de fado são maioritariamente frequentados por turistas. Mas em Lisboa, onde sempre existiu mais turismo que no Porto, o fado já é há mais tempo um dos principais atrativos turísticos. E nas últimas décadas a afluência de turistas não só contribuiu para a manutenção das casas de fado em Lisboa, mas também foi o principal fator para o nascimento de muitas mais.
Do meu ponto de vista, mais do que olhar para o número de turistas, porque a maior parte dos clientes dos lugares de fado profissional no Porto e em Lisboa são estrangeiros, há outros aspetos mais importantes:
– Os artistas cantam verdadeiro fado ou adaptam o repertório para os ouvidos menos experientes dos estrangeiros e interpretam “coisas mais leves” que não são fado ?
– A qualidade dos artistas é boa e estes dão o máximo durante a sua performance ou estão “a despejar”?
– Os clientes são tratados de uma forma acolhedora ou com indiferença?
Acho que na hora de determinar um bom lugar, considerar estas questões é muito mais importante do que contar o número de estrangeiros vs locais.
Os lugares de fado amador oferecem uma experiência mais autêntica
Alguns guias turísticos acham que os lugares de fado vadio, por terem menos estrangeiros, são mais genuínos. Mas, como pude explicar, esse argumento é pouco fundamentado e há outras coisas mais importantes a ter em conta.
Para além disso, nestes locais as condições não são melhores e também não será a ouvir artistas amadores que se vai ter uma melhor noção do que é o verdadeiro fado.
Conclusão
Primeiro de tudo, obrigado por teres lido este artigo maior do que o normal! Espero que te tenha ajudado a compreender melhor a complexidade do fado nesta cidade.
Quer estejas de passagem ou mores cá, não deixes de conhecer através de um espetáculo ao vivo aquela que é a expressão musical mais importante deste país.
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